Burnout desafia empresas de todos os setores
Conforme a Classificação Internacional de Doença elaborada pela OMS, chamada CID 11, em vigor desde o dia 1º de janeiro de 2022, a síndrome de burnout, também chamada de síndrome do esgotamento profissional, foi conceituada como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”.
O burnout deve ter o nexo de causalidade com o trabalho, pois sem o trabalho não há que se falar em burnout. A síndrome é a consequência única e direta de um ambiente de trabalho hostil e opressor que vai além das condições psicológicas que o indivíduo pode suportar, com excesso de cobrança, prazos ou horas de trabalho.
Embora a síndrome seja diagnosticada de forma mais recorrente entre pacientes que exercem atividades que demandam interação pessoal constante, como professores, médicos, enfermeiros e policiais, ela não está restrita a profissionais que atuam em determinadas áreas, podendo acometer qualquer pessoa.
A CID enfatiza que o burnout se refere especificamente a fenômenos no contexto ocupacional, e está presente apenas no que diz respeito à vida profissional, não decorrente de problemas relacionados a outras áreas da vida.
Conforme descrito na CID 11, o burnout é caracterizado por três elementos: esgotamento emocional, distanciamento mental do emprego (indiferença ou negativismo em relação ao trabalho que antes gerava engajamento) e redução da eficácia ou da realização profissional.
Nessa linha, enquanto a síndrome do burnout está presente apenas no que diz respeito à vida laboral, a depressão e outras doenças mentais podem afetar de forma mais profunda a vida do paciente, sendo comuns sintomas como alterações no sono, na atividade psicomotora, no peso e apetite, além de sentimento de culpa, dificuldade para tomar decisões, diminuição da energia, pensamentos suicidas e necessariamente humor deprimido e/ou anedonia (incapacidade de sentir prazer com atividades antes prazerosas).
O burnout é doença do trabalho que se caracteriza exclusivamente em razão do nexo causal, ou seja, da relação direta e exclusiva com o trabalho. Portanto, se o trabalho for apenas fator de agravamento dos sintomas acima relacionados, a doença não será classificada como burnout, mas sim como depressão ou outro distúrbio mental, podendo ser classificada como doença laboral em razão do nexo de concausalidade.
A Resolução 2297/2021 do Conselho Federal de Medicina (CFM) determina que o médico assistente está proibido de estabelecer o nexo causal entre algum transtorno de saúde e o trabalho, salvo se tiver um profundo conhecimento do ambiente de trabalho.
Logo, o psiquiatra, como médico assistente, somente poderá atestar que seu paciente está com burnout se antes descartar as doenças mentais que possam justificar os sintomas apresentados, e após estudo minucioso do local e da organização do trabalho, inclusive de casos semelhantes e demais dados epidemiológicos da empresa, a fim de conhecer todos os riscos existentes no ambiente de trabalho do paciente.
Caso o procedimento acima não seja observado, o diagnóstico do burnout não estará de acordo e também poderá configurar infração ética do médico, nos termos da Resolução 2297 do CFM. Portanto, recomenda-se que, diante de forte suspeita clínica, a avaliação desse diagnóstico se dê por médico do trabalho.
O reconhecimento pela OMS do burnout como doença afeta as relações de trabalho, em especial os processos trabalhistas relacionados ao tema, podendo a empresa ser responsabilizada a pagar indenização. Vale lembrar que caso o trabalhador acometido pela doença necessite se afastar do trabalho, a empresa deverá arcar com o salário correspondente aos primeiros 15 dias de afastamento.
Todavia, caso o período de afastamento seja superior a 15 dias, o trabalhador tem direito a receber auxílio-doença acidentário e deverá ser encaminhado ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para dar entrada no pedido do benefício previdenciário.
Após a cessação do benefício previdenciário, o empregado terá direito à garantia no empregado pelo período de 12 meses, contados da data da alta previdenciária. A comprovação da doença demanda prova pericial técnica, ou seja, a realização de perícia médica cujo laudo deverá ter por base o histórico do profissional, a avaliação do ambiente de trabalho, relato de testemunhas, etc.
Médicos especialistas alertam que é comum que o profissional com o burnout tenha um histórico de boa performance que se reverte diante de uma mudança no ambiente, como uma mudança na gestão ou de demandas. Portanto, os empregadores devem atentar aos sinais de alerta para o burnout, pois se trata de um fator de risco jurídico e financeiro.
Além disso, as empresas precisam se posicionar de forma proativa nas questões de saúde e segurança no trabalho para mitigar os riscos. A prevenção é fundamental e o setor de recursos humanos deve ficar atento aos seus colaboradores.
A conscientização por meio de palestras sobre saúde ocupacional, monitoramento constante do ambiente de trabalho, implementação de pausas, redistribuição de atividades, estabelecimento de prioridades, entre outras, são medidas importantes que o RH da empresa deve implementar a fim de prevenir doenças ocupacionais.
Valor Econômico, por Daniele Duarte, advogada do departamento trabalhista da Andersen Ballão Advocacia.