Como líderes podem adaptar suas equipes ao teletrabalho durante pandemia
A criação de soluções que permitem aos colaboradores trabalhar de casa passou de uma prioridade somente dos gestores de Recursos Humanos para uma discussão estratégica no conselho das empresas. Globalmente, estima-se que 70% das pessoas trabalham remotamente pelo menos uma vez por semana. Com a pandemia do Covid-19, o que antes podia ser tratado como opção, tornou-se mandatório.
Esse cenário desencadeou um aumento exponencial de empresas, que passaram a introduzir políticas de trabalho de casa nas últimas semanas, restringir reuniões pessoais e proibir viagens.
A imposição do teletrabalho às organizações se tornou uma preocupação para executivos de todos os setores, mercados e regiões geográficas. Nenhuma empresa está sendo poupada.
É preciso responder rapidamente ao novo cenário considerando, também, as possíveis armadilhas dos vieses comportamentais e psicológicos à medida que as pessoas se ajustam a essa nova realidade.
É essencial que os líderes entendam o lado humano da transição para trabalhar de casa — não apenas pelo bem-estar, mas pela produtividade. Questões comportamentais como a confiança, criatividade, colaboração, conexão e segurança psicológica são fatores humanos que apoiam o envolvimento e a boa vontade dos colaboradores e são críticos para o sucesso financeiro dos negócios.
Acreditamos que se apoiar às melhores práticas identificadas em pesquisas científicas de ciências comportamentais e psicologia pode definir o quão positivo esse impacto será.
Portanto, enquanto nossos colegas de TI estão resolvendo questões complexas de engenharia que envolvem redes, software e soluções baseadas em nuvem, o foco dos executivos, líderes de RH e gestores deve ser sobre a experiência humana. Não podemos esperar simplesmente que alguém vá de um contexto para o outro sem considerar o impacto em seu bem-estar e produtividade.
O desenraizamento do colaborador de uma comunidade movimentada para uma mesa de cozinha isolada traz implicações comportamentais e psicológicas complexas.
Felizmente, as evidências sugerem que, embora os líderes devam estar cientes de alguns riscos, existem soluções sólidas para superar esses desafios. Não apenas isso, existem também benefícios para o aumento da produtividade e satisfação que podem surgir quando as pessoas têm a chance de passar um tempo sozinhas.
Aqui estão soluções para esses problemas humanos e como mantê-los mesmo trabalhando à distância.
1. CONSTRUA CONFIANÇA: DEMONSTRAR CONFIANÇA DESPERTA CONFIANÇA
Sejamos sinceros, quando estamos em casa, somos cercados por tentações e distrações. Como sabemos o que nossos colaboradores estão fazendo enquanto não estão no escritório?
A transição repentina para o trabalho remoto não será fácil. Um dos pilares para que uma política de teletrabalho seja funcional é a confiança. Embora seja natural se preocupar com os resultados, os líderes que dão a impressão de que não confiam nos colaboradores para fazer o trabalho acabam fazendo com que eles sejam menos produtivos e engajados.
Uma maneira de superar isso é compartilhar abertamente informações com os colaboradores; a transparência mostra confiança e, por sua vez, cria confiança. Essa abertura é particularmente importante nos tempos incertos que acompanham uma pandemia global e mudanças na maneira como trabalhamos e como a economia opera.
2. DESPERTE CRIATIVIDADE: ESTAR SOZINHO PODE PROMOVER A CRIATIVIDADE
Encontros aleatórios nos corredores das empresas e nos cafezinhos levam a novas ideias, novas parcerias e a resolução de problemas. Cooperações espontâneas são mais difíceis de surgir quando não compartilhamos o mesmo espaço. Como, então, inspirar a criatividade em um mundo sem esses encontros casuais?
É importante que os líderes comuniquem aos colaboradores que a criatividade não é necessariamente uma coisa de grupo. Sabemos que as trocas nos cafezinhos podem se transformar em conversas improdutivas, e as pesquisas mostram as várias maneiras pelas quais um escritório aberto pode impedir a produtividade e o bem-estar.
Susan Cain, autora do livro “O Poder dos Quietos”, argumentou que a sociedade está cada vez mais obcecada com a ideia de que desempenho e criatividade decorrem do trabalho em grupo —o que ela chama de ascensão do novo “pensamento de grupo”.
Cain argumenta que essa tendência levou a mais escritórios abertos e mais colaboração, apesar de prejudicar nossa capacidade de ser produtivo e criativo.
Seus argumentos ecoam alguns criativos conhecidos como Picasso, que disse: “sem grande solidão, nenhum trabalho sério é possível”, e Steve Wozniak, que aconselha aqueles que querem inventar algo que “trabalhem sozinhos e não em um comitê, não em um time”.
É fato que praticar um brainstorming sozinho estimula mais a criatividade e, quando em grupo, ferramentas eletrônicas de brainstorming são mais eficazes que os encontros pessoais.
Também sabemos que entrar em um estado de fluxo hiperprodutivo requer concentração e atenção do tipo que não é facilmente alcançada em um espaço de trabalho movimentado. Incentivar sua equipe a abraçar a ideia sozinha ou por meio da tecnologia e recalibrar qualquer sensação de que a criatividade só é possível em grupos os ajudará a gerar ideias novas e úteis tão necessárias nessas condições incertas.
3. MANTENHA A COLABORAÇÃO: FERRAMENTAS ONLINE FACILITAM A COMUNICAÇÃO
Como podemos proteger relacionamentos em um mundo onde o texto nas mensagens instantâneas é frio e fácil de interpretar mal? Como mantemos a colaboração sem contato pessoal?
Muitos assumem que, para que uma colaboração eficaz se desenvolva, as equipes precisam estar em constante comunicação e dedicar um tempo significativo trabalhando juntas para atingir seus objetivos. Pesquisas publicadas na Academy of Management (Associação para Acadêmicos criada em 1936 e que publica várias revistas acadêmicas) sugerem o contrário.
Essas pesquisas identificaram que os times com colaboração online mais eficazes compartilhavam muita informação de maneira intensa, mas por um curto período de tempo. Ou seja, o time intercalava a troca intensa de ideias com períodos de silêncio e concentração.
Portanto, informar à equipe que ela não necessariamente precisa manter a comunicação fluindo o tempo todo, a não quando estritamente necessário, pode maximizar o potencial de colaboração das equipes.
4. CRIE CONEXÃO: HAPPY HOURS VIRTUAIS AJUDAM AS PESSOAS A PERMANECEREM CONECTADAS
O teletrabalho não é uma realidade de todos – as estatísticas acima sugerem que apenas uma minoria de trabalhadores o faz regularmente. As pessoas sofrem com a solidão e o isolamento. Pesquisas constatam que ter um melhor amigo no trabalho leva a um melhor desempenho.
Como podemos, então, proteger nossos colaboradores em um mundo no qual todos estão escondidos atrás de uma tela digital?
A tecnologia oferece muitos remédios para a possível solidão da remoção do escritório para o isolamento. Soluções baseadas em nuvem, locais de reuniões virtuais e canais de mensagens instantâneas significam que a conexão remota está mais fácil do que nunca e, às vezes, mais eficaz do que pessoalmente.
Encontros virtuais para conexão interpessoal têm o poder de alimentar a amizade e a cultura da empresa mesmo à distância.
As empresas e os líderes devem pensar em happy hours virtuais: um tempo de inatividade designado para bate-papo com colaboradores. Todo mundo traz consigo sua bebida favorita, “brindam” e falam sobre amenidades, por exemplo, como está o clima, seu time favorito ou qualquer coisa fora do trabalho.
5. PROMOVA SEGURANÇA PSICOLÓGICA: CONSTRUIR CONFIANÇA EM SEUS COLABORADORES OS TORNARÁ MAIS PRODUTIVOS
As pessoas são resistentes à mudança e às novas maneiras de fazer as coisas, especialmente quando há muitas dúvidas circulando por aí. Pesquisas mostram que, em tempos de incerteza, as pessoas recorrem a padrões antigos para tentar conter a ansiedade gerada pela incerteza. Como podemos gerenciar a mudança para que os colaboradores adotem essa nova realidade e se sintam confortáveis com ela?
Um meio eficaz de aliviar os medos das pessoas é equipá-las com uma sensação de controle pessoal. Uma alternativa para que isso seja feito é utilizar as tecnologias como parte do novo esforço de trabalho remoto.
Simplesmente não basta ter uma variedade de ferramentas e soluções disponíveis. Você precisa treinar e capacitar os colaboradores para usar esses recursos regularmente e com facilidade.
Pesquisas demonstram que a habilidade que uma pessoa acredita ter no uso de um produto impacta diretamente a probabilidade de usá-lo. Ou seja, os líderes devem oferecer treinamento e comunicação para ajudar a aumentar a habilidade e confiança dos colaboradores nessas ferramentas. Isso poderá ajudar no sentido de estabelecer uma transição menos traumática para essa nova realidade.
Pronto ou não, o trabalho está indo para casa
Independentemente se os líderes estão prontos para isso, um número cada vez maior de colaboradores passa mais tempo trabalhando remotamente. Portanto, em vez de gastar tempo se preocupando com as consequências, aloque a energia para mitigar proativamente os desafios que surgem com o teletrabalho.
Os líderes também devem olhar para o lado positivo e reconhecer os benefícios de cada um ter um pouco mais de tempo e espaço para si.
As evidências sugerem que as pessoas podem ser mais produtivas quando trabalham em casa – nenhum deslocamento significa mais horas e menos estrutura permite liberdade para se exercitar e participar de outras atividades que promovam o bem-estar.
Confie nos seus colaboradores, equipe-os com as melhores tecnologias e treinamento e reúna as pessoas frequentemente por meio de reuniões digitais. Se isso puder ser alcançado agora, quando a pandemia do COVID-19 for resolvida, uma nova força de trabalho terá surgido – uma força de trabalho suportada pela tecnologia, mas mais humana do que nunca.
Por Dan Ariely, autoridade de renome mundial em economia comportamental e cofundador da BEWorks; Nathaniel Barr, consultor científico da BEworks e professor de criatividade e pensamento criativo no Sheridan College; Nick Hobson, consultor de mudança cultural da BEworks e o principal cientista comportamental da The Behaviorist; Kelly Peters, diretora executiva e cofundadora da BEworks.
Fonte: Folha de São Paulo, de 16 de abril de 2020